O lugar onde a ala direita decide a cidadania

A DIREITA SE IMPÕE
AOS PARTIDOS: O PRAGMATISMO DOMINA O XADREZ POLÍTICO

Tania Molina

TEMPO DE LEITURA: 22 MIN

Estagnada em preceitos de um século atrás, a direita dominicana se ergue sobre uma minoria de grande influência nos partidos majoritários e setores de poder econômico e religioso. Seu discurso nacionalista, centrado na rejeição à migração haitiana e no desconhecimento aos direitos das minorias, tornam-na vigente em uma sociedade com fortes garras conservadoras. Nesta história sobre a direita dominicana, políticos, sociólogos e historiadores expõem um olhar sobre a crise que afeta o sistema de partidos e que rompeu as fronteiras ideológicas que há algum tempo o caracterizavam, arrastando-os para um pragmatismo que os transforma, mais do que em partidos, em corporações políticas.

Tania Molina

No dia 1º de maio de 2018, os cidadãos da República Dominicana receberam a notícia de que o país mudava seus vínculos históricos com Taiwan para estabelecer relações diplomáticas com a República Popular da China. Após 70 anos de apoio técnico e econômico de Taiwan, sob a presidência de Danilo Medina, do direitista-liberal Partido da Libertação Dominicana (PLD), o país caribenho se inclinava pelo regime comunista do gigante asiático, um parceiro comercial de quem, em 2017, importou US$ 2,38 bilhões e a quem exportou apenas US$ 85,7 milhões, segundo cifras oficiais.

Seis meses depois, em 1º de novembro, o presidente Medina chegou a Pequim para a primeira visita oficial de um chefe de Estado dominicano a essa nação. Retornou com uma pasta cheia de acordos de cooperação e promessas de investimento nas áreas financeira, comercial, agrícola e de aeronavegação.

Mas antes de concretizar as promessas, o panorama diplomático dominicano deu uma nova guinada com o presidente Luis Abinader Corona, que chegou ao poder dois anos e quatro meses depois, em 16 de agosto de 2020, sob a legenda do Partido Revolucionário Moderno (PRM), uma formação desprendida do outrora poderoso Partido Revolucionário Dominicano (PRD), de inclinação direitista e tendência democrática.

La campaña electoral que llevó al poder a Abinader Corona tuvo a su favor los vientos diplomáticos de la gestión del republicano Donald Trump. El 11 de julio de 2019, cuando diversos grupos del país presionaban ante la posibilidad de que el entonces presidente Medina volviera a reformar la Constitución para buscar un tercer mandato de cuatro años, el gobierno estadounidense informó de una llamada del secretario de Estado Mike Pompeo al jefe de Estado dominicano.

A campanha eleitoral que levou Abinader Corona ao poder teve a seu favor os ventos diplomáticos da gestão do republicano Donald Trump. Em 11 de julho de 2019, quando diversos grupos do país pressionavam diante da possibilidade de que o então presidente Medina voltasse a reformar a Constituição para buscar um terceiro mandato de quatro anos, o governo estadunidense informou sobre uma ligação do secretário de Estado Mike Pompeo ao chefe de Estado dominicano.

O presidente expressou, durante uma entrevista que concedeu no dia 30 de outubro ao Centro Wilson, dos Estados Unidos: “Se a China quer investir em áreas não estratégicas do governo dominicano é bem-vindo seu investimento, mas

a decisão do governo dominicano é ter uma aliança estratégica com os Estados Unidos”. Ele acrescentou que estão vetados os investimentos em áreas estratégicas, como portos, aeroportos e telecomunicações, à nação asiática.

Também adiantou que seu governo está avaliando a transferência da embaixada dominicana em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo os passos percorridos pelos Estados Unidos em 2018 como parte de um prolongado conflito diplomático que até desencadeou eventos violentos com perda de vidas no Oriente Médio. No período de transição, sua equipe também se distanciou dos blocos de correntes de esquerda na América Latina, como o Foro de São Paulo.

Promover políticas e procurar alianças estratégicas com os Estados Unidos entra em uma das características que definem os setores de direita na República Dominicana, reflete Juan Miguel Pérez Vargas, professor de Sociologia da estatal Universidade Autônoma de Santo Domingo (UASD).

Entretanto, mais do que uma questão de siglas partidaristas, o perfil político da direita dominicana se configura em torno da incidência de grupos de poder sobre a visão de nação, a relação do Estado com os indivíduos e a interação dos diferentes segmentos socioeconômicos do país.

O sociólogo Wilfredo Lozano argumenta que as posições de direita, muito sinteticamente, traduzem-se em rejeição ou reservas diante da participação igualitária dos cidadãos na vida política, como sujeitos de direito; resistência às propostas de reformas ou mudanças sociais que visem uma distribuição igualitária do produto social e “sérias observações ou rejeições abertas” à ideia de uma sociedade democrática baseada em direitos.

Desde a execução do ditador Rafael Leónidas Trujillo Molina, em 30 de maio de 1961, a etapa política democrática que a República Dominicana vive e que teve um período de repressão com os 12 anos de governo de Joaquín Balaguer – entre 1966 e 1978 – observa uma dispersão permanente das ideologias, devido ao fato de os partidos políticos se associarem conjunturalmente entre si ou se filiarem a organizações internacionais sem importar que sejam de direita ou de esquerda.

O professor Juan Miguel Pérez Vargas, ligado a setores socialistas locais, considera que no país já não se pode falar de uma direita, mas sim de “direitas”, pois adverte diferentes “sensibilidades ideológicas” que se manifestam inclusive dentro das próprias organizações que formam o sistema de partidos. “O problema é que todos os que estão em atividade política hoje, exceto uma ínfima minoria, de uma forma ou de outra respondem a critérios de direita”.

“A esquerda dominicana foi sistematicamente aniquilada nos anos setenta, inclusive nos anos oitenta, quando ainda havia uma forte organização popular. O que fizeram foi varrer em abril de 1984, e então a esquerda permaneceu como mecanismo de organização do povo, mas não com vocação de poder”.

Pérez Vargas se refere à chamada “Pueblada de 1984”. O governo do então presidente Salvador Jorge Blanco (da ala do PRD, que agora se encontra no PRM, e que esteve ligado à Internacional Socialista) reprimiu com violência as manifestações dos setores que protestavam contra um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). As cifras oficiais contabilizaram 125 mortos entre os dias 23 e 25 de abril daquele ano.

Embora considere que na atualidade não existem claramente as fronteiras que colocavam em diferentes cenários o pensamento liberal e o conservador na década de 1980, o docente da UASD apresenta uma classificação das sensibilidades de direita. A primeira,

“uma direita nacionalista ou extrema” tem como bandeira o repúdio constante à imigração haitiana, basicamente, e está muito apegada à religião e à lei e à ordem imposta sob a força repressiva.

A outra é “uma direita conservadora” que, embora defenda as mesmas questões que a anterior, manifesta-se em níveis menos virulentos. “São pessoas com as quais é possível sentar para conversar, que dão certo sentido humano a algumas questões”, diz Pérez Vargas. “Toleram as diferenças, mas não as integram com a reivindicação que as minorias exigem no avanço de suas conquistas”, acrescenta.

Um terceiro tipo é “uma direita liberal” das elites econômicas. Liberais que admitem a necessidade de igualdade entre mulheres e homens, direitos LGBTQI, mostram tolerância à situação dos imigrantes, respeitam e, dentro de um plano ideológico e político, até se interessam pela questão dos desnacionalizados e dos dominicanos de ascendência haitiana. No entanto, na esfera econômica e política em particular, optam pelo capitalismo puro, e consideram o Estado como um mero árbitro, e não como um ator político; são contrários aos preceitos democráticos que veem o Estado como um garantidor, não só de direitos em uma sociedade desigual, mas também de proteção aos humildes.

Temas bandeira: nacionalismo

A socióloga e analista política Rosario Espinal, professora da Temple University, Filadélfia, identifica um conjunto de questões que definem a direita dominicana, e as agrupa em:

“Nacionalismo, xenofobia (no caso dominicano com relação, sobretudo, aos haitianos), racismo, patriarcalismo, machismo, contra os direitos sexuais e reprodutivos, antidireitos LGBT, lei e ordem (versus proteção dos direitos humanos)”.

Ela adverte que nos últimos anos o movimento de direita tem se fortalecido, principalmente em questões questões relacionadas às mulheres e às minorias sexuais que há 50 anos não tinham tanta importância na sociedade dominicana. “Controlam a agenda política através da mobilização ideológica do ultranacionalismo e as ideologias conservadoras das igrejas que se concentram em ideias contra os direitos sexuais e reprodutivos”.

No caso específico da ultradireitista Força Nacional Progressista (FNP), alcançou postos de relevância nos governos do PLD em uma aliança que lhe facilitou assentos no Congresso. Seu líder, Marino Vinicio (Vincho) Castillo, um reconhecido advogado com incidência na política desde os tempos da ditadura, manteve por anos um programa na televisão: La Respuesta, tribuna de suas ideias e posturas políticas. Vinicio Castillo Semán tem uma comunidade de mais de 170 mil seguidores no Twitter, rede na qual existe até uma conta paródia da sua pessoa.

A FNP foi fundada em 1980 e se destacou como força opositora ao PRD e aliada ao Partido Reformista Social Cristão (PRSC), de Joaquín Balaguer. No nível internacional, faz parte da União de Partidos Latino-americanos (UPLA) e membro da União Internacional Democrata (IDU). Com os anos, outros atores do partido migraram para as tendências modernas do uso das redes sociais, nas quais figuras dessa organização, como Vinicio ou Pelegrín Castillo Semán, filhos de Vincho Castillo, têm um grande ativismo.

Pelegrín Castillo reconhece que não possuem uma estrutura eleitoral forte, mas sim uma minoria militante e fiel, que teve uma alta influência nos níveis político e de partidos. “Temos uma agenda muito clara, defendemos a vida desde a concepção, a família, a liberdade religiosa, a identidade cristã do povo dominicano, mas também fizemos propostas e conseguimos coisas que aqui a maioria dos partidos nem sequer considerou”. Refere-se a questões como os espaços marítimos, a soberania energética e a mineração, além de seu tema bandeira que é “a soberania, a autodeterminação, a identidade e integridade territorial do país, além da questão haitiana”.

“Somos, sem dúvida, uma força conservadora, uma força tradicional que remonta às origens da Pátria. Somos também um partido que entende que, para preservar a nação, é preciso fazer grandes transformações”, afirma Pelegrín Castillo Semán, que foi legislador durante 20 anos, graças à política de alianças de sua organização.

Ruptura ideológica e partidária

Ao abordar a temática das ideologias políticas, sociólogos e historiadores concordam com a ausência de uma ideologia substantiva que separe os partidos dominicanos que governaram durante as últimas décadas. Citam como referências os três líderes políticos dos anos 1960 e 1970, que mantiveram posturas ideológicas definidas: Juan Bosch, Joaquín Balaguer e José Francisco Peña Gómez.

O historiador Clodoaldo Mateo, ex-presidente da Academia da História Dominicana, concorda com José del Castillo, membro dessa entidade, em ver Balaguer como a figura política mais coerente quanto a seu pensamento conservador e neotrujillista, em referência ao seu governo repressivo de 12 anos (1966-1978). Enquanto Bosch e Peña Gómez representavam o pensamento liberal e a socialdemocracia, respectivamente.

Mateo recorda que, desde a ditadura de Trujillo, o pensamento político esteve influenciado pelo fascismo europeu e menciona uma representação de famílias italianas que têm incidência na economia do país e que representaram o pensamento reacionário e ultraconservador.

Assinala que essas famílias passaram depois a formar o partido União Cívica Nacional que, embora identificado por seu antitrujullismo, foi o ator principal do golpe de Estado contra o governo constitucionalista de Juan Bosch, ocorrido em 25 de setembro de 1963.

“A União Cívica esteve junto com as manifestações de reafirmação cristã, ou seja, com o alto clero que representava as correntes mais arcaicas do catolicismo dominicano”, afirma Mateo.

Essa organização se une a Elías Wessin y Wessin, o militar que representou o comando direitista contrário aos constitucionalistas durante a Guerra de Abril de 1965, o feito nacional que procurou a volta do constitucionalismo com a reposição do governo de Bosch.

Castillo, que chegou a militar na União Cívica, recorda que o Partido Revolucionário Dominicano, do qual Bosch era fundador, esteve, por sua vez, ligado às ideias de outros partidos revolucionários da época, como a Ação Democrática, na Venezuela, ou o Partido Revolucionário de Cuba.

“O ponto mais importante é que hoje foram desfiguradas as fronteiras (ideológicas) e isso se explica na fluidez de mudanças desses ‘partidos-dobradiça’ que foram passando de um polo para o outro”, diz ele.

Paula Rodríguez, coordenadora de Projetos da Fundação Friedrich Ebert na República Dominicana, destaca um cenário político dominado pelos mesmos atores nas últimas quadro décadas. “Nos demais países surge uma nova direita, mas na República Dominicana são os mesmos atores de sempre; os clássicos, ainda que outros se unam”, aponta.

Ela considera que não existem partidos com ideologias firmes no país, pois percebe muitas contradições nos discursos, políticas e atores. “Leonel, que era de um partido da Internacional Socialista e junta-se a outro, com os reformistas, com atores ultraconservadores como a Força Nacional Progressista. Vê-se como realmente não existem fronteiras claras entre discursos e ideologias, incluindo no partido do governo (o PRM), que tem uma força democrática, mas deve responder a essas cotas de poder que a igreja tem”.

Após a crise político-eleitoral que surgiu no país depois das eleições presidenciais de 1994, que levaram à assinatura do Pacto pela Democracia, o PLD estabeleceu, dois anos mais tarde, alianças com o conservador PRSC e com a FNP, com as quais criou a estrutura que permitiu a Leonel Fernández chegar ao poder.

Também se somou à aliança o Partido Quisqueyano Democrata Cristão (PQDC), liderado por Elías Wessin Chávez, filho de Wessin y Wessin, que mantém a linha de extrema-direita nessa organização. O conjunto de forças foi chamado de Frente Patriótica, o que frustrou as possibilidades de ascensão do líder de massas José Francisco Peña Gómez ao poder e levou os rivais Joaquín Balaguer e Juan Bosch a uma mesma mesa, em um ato em que o pragmatismo político para administrar o Estado – e seus recursos – se impôs aos princípios ideológicos.

Desde 1996, as alianças entre os partidos nos processos eleitorais têm se multiplicado, sem importar ideologias. Outro exemplo evidente ocorreu em 2016, quando a Frente Ampla (FA), liderada pelo dirigente de “esquerda” Fidel Santana, proveniente da Frente Ampla de Luta Popular (Falpo), uma organização à qual o Estado confere até um espírito mais do que subversivo, aliou-se ao direitista rançoso PQDC para criar um bloco legislativo na Câmara dos Deputados.

“Um elemento a ser considerado é a crise dos partidos políticos que está intimamente relacionada com a crise da democracia, e digo paradoxalmente porque, quando falamos de crise de partidos, ou há uma situação de desagregação ou é pela emergência de novos tipos de lideranças”, explica a socióloga e diplomata dominicana Laura Faxas.

No caso dominicano, afirma, a crise é causada por uma fragmentação do sistema de partidos que, por sua vez, está ligada às rupturas e criação de tendências dos grandes partidos, PRD-PRM-PLD, e ao surgimento de partidos a partir do financiamento que o Estado faz a essas organizações.

Com a Lei 275-98, da Junta Central Eleitoral, o reconhecimento de um partido está condicionado a que ele obtenha 2% dos votos na mais recente eleição, requisito dispensado nos casos em que haja participado de uma aliança ou coalizão. Dessa maneira, uma formação com pouca representatividade pode manter sua vigência e também receber financiamento estatal. “Então, você tem a criação de partidos a partir da ruptura interna de um, ou 

a criação de partidos que são uma franquia e que constituem uma fonte de financiamento muito pessoal ou de um grupo muito restrito de pessoas”, diz Faxas.

Em 18 de novembro de 2017, um grupo de dominicanos de ascendência haitiana começou a se reunir no Parque Independência, lugar onde repousam os restos dos chamados Pais da Pátria. A convocatória de parte do grupo denominado Reconoci.do, uma minoria de ascendência haitiana que reivindica o reconhecimento de sua nacionalidade dominicana, foi considerada por alguns setores como uma provocação ao sentimento patriótico, e alguns decidiram enfrentá-los.

Incidência social

Os manifestantes, com tambores e danças, foram isolados por forças policiais que, além disso, permitiram a presença de grupos denominados constitucionalistas e patrióticos que rejeitavam o ato e o chamaram de ilegal por suposta falta de autorização. “Estamos aqui porque o presidente (Danilo) Medina não cumpriu sua palavra. A Lei 169-14 não restituiu a nacionalidade dos milhares e milhares que deveriam ser beneficiados”, explicava a ativista principal de Reconoci.do, Ana María Belique.

“Precisamos que eles saiam de lá, porque são eles que estão invadindo nosso território”, comentava uma mulher que se opunha à manifestação e alegava que os que ali estavam não eram dominicanos, porque eram filhos de indocumentados.

Dois dias depois, o jornal Diario Libre disse: “Foi uma provocação que revela as intenções finais da luta travada por esse coletivo para reivindicar direitos em nosso país”. No mesmo jornal constam as declarações de Pedro Brache, então presidente do Conselho Nacional da Empresa Privada (Conep), maior associação empresarial dominicana, nas quais dizia: “A demonstração feita pelos haitianos no Parque Independência não deveria ter sido permitida. Se não podem respeitar nossos símbolos pátrios, então devem voltar a seu país”.

Listín Diario, linha dura contra a migração haitiana, editorializou em sua edição de 21 de novembro de 2017 que nenhum dominicano autêntico seria capaz de “propiciar algum ato desonroso contra los símbolos patrios…”.

Na origem daqueles fatos estava a sentença TC/168-13, ditada em 2013 pelo Tribunal Constitucional, presidido pelo perredeísta Milton Ray Guevara, que priva da nacionalidade dominicana todos os filhos de estrangeiros nascidos em solo dominicano desde 1929.

Antes da reforma de 2010, impulsionada pelo então presidente Leonel Fernández (PLD), a Constituição dominicana concedia a nacionalidade a “todas as pessoas nascidas no território da República, com exceção dos filhos legítimos dos estrangeiros residentes no país em representação diplomática ou os que estejam em trânsito”.

Segundo reconhecido pela própria Junta Central Eleitoral, reitora do registro civil no país, cujo presidente na época, Roberto Rosario, está ligado a grupos ultranacionalistas, umas 55 mil pessoas foram afetadas pela sentença do TC e por uma resolução do organismo que data de 2007 e que já restringia o acesso às certidões de nascimento para as pessoas de ascendência haitiana, nascidas no país.

Para esse grupo foi emitida em 2014 a Lei 169-2014, que estabelece um regime especial para pessoas nascidas no território nacional inscritas irregularmente no registro civil dominicano e sobre naturalização. Isso junto com o Plano Nacional de Regularização de Estrangeiros que a sentença do TC mandou realizar.

Em fevereiro de 2016, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu um relatório no qual critica as violações aos direitos humanos gerados pela sentença do TC. “A Comissão estima que a sentença TC/0168/2013 do Tribunal Constitucional levou a uma privação arbitrária da nacionalidade para todas as pessoas sobre as quais estendeu seus efeitos. Por sua vez, a sentença teve um efeito discriminatório, dado que impactou principalmente as pessoas dominicanas de ascendência haitiana; privando-lhes de sua nacionalidade retroativamente; e gerando apatridia com relação àquelas pessoas que não eram consideradas suas nacionais por nenhum outro Estado”, diz o relatório.

No entanto, já em 2014, o TC havia emitido a sentença 256-14, sobre um recurso de inconstitucionalidade interposto por um grupo de nacionalistas, encabeçado por Pelegrín Castillo contra o Instrumento de Aceitação da Competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, assinado em fevereiro de 1999 pelo então presidente da República, Leonel Fernández. Portanto, o relatório da CIDH foi ignorado.

Ao analisar o sucesso dos setores nacionalistas quanto ao posicionamento da questão haitiana, Pérez Vargas destaca uma estratégia que diz ser muito efetiva: o medo, que tem impacto, principalmente, nas pessoas humildes. “O nacionalismo que se proclama hoje é excludente, é um nacionalismo que explora os medos da classe trabalhadora, e são criados medos como responsáveis pelo sofrimento da classe trabalhadora. Então, esse medo tem que ser essencialmente ao estrangeiro e há uma exacerbação de tudo o que é o nacional”.

O discurso da nacionalização dos postos de trabalho é apoiado na ideia de que a migração haitiana priva o dominicano de oportunidades de trabalho, também de que o orçamento para a saúde se destina ao atendimento dos haitianos, principalmente de parturientes.

Por vezes, o discurso pode ser mais desmedido. Em 2018, nas redes sociais, principalmente WhatsApp, e vários meios de comunicação, foi divulgada a falsa denúncia de um suposto envenenamento do sistema de distribuição de água potável em povoados da região sul do país. Uma das mensagens indicava que os haitianos preparavam um golpe ou atentado contra o país, uma questão recorrente nos grupos nacionalistas que também mostram vídeos manipulados de supostos soldados tentando entrar em grupos em território dominicano, ou cifras consideráveis de pessoas assassinadas por imigrantes haitianos.

A informação do envenenamento, e o temor gerado na população, obrigou o Ministério da Saúde Pública a ordenar uma investigação do aqueduto das regiões citadas, determinando que se tratava de uma informação falsa e que a água “é apta para o consumo humano”.

Outra questão recorrente da direita, entre as promessas e o medo, é a da estabilidade nacional, baseada na preservação da paz e na conservação das tradicionais instituições. Ocorreu quando nos anos 70 Joaquín Balaguer apresentava ao país o perfil de uma esquerda que colocava em perigo a paz e o desenvolvimento do povo dominicano, enquanto seus leais militares e polícias marcavam um rastro de sangue que buscava desarticular uma juventude progressista opositora.

Religião e direitos

A incidência da ideologia da direita conservadora na República Dominicana também operou contra os movimentos para o estabelecimento da da despenalização do aborto em três causas excepcionais, uma demanda de grupos que defendem os direitos das mulheres.

As igrejas, principais opositoras dessa excepcionalidade, sob o argumento de que se deve preservar a vida desde o momento da concepção, como estabelecido na Constituição de 2010, conseguiu articular a seu favor o voto da maioria do Congresso.

O Código Penal Dominicano, que data de 1844, penaliza a interrupção da gravidez em seus artigos 107 a 110, nos quais se estabelecem penas de um a dois anos de prisão para quem praticar ou ajudar a praticar um aborto. Para os profissionais da saúde, como médicos ou enfermeiras, essas penas são de quatro a dez anos.

Assim ficou estabelecido na modificação realizada em 2014 em vários artigos do Código Penal, os quais foram previamente vetados pelo então presidente da República, Danilo Medina. Seu veto foi justificado na questão do aborto, a fim de que os legisladores especificassem as exceções que deveriam prevalecer no caso de penalizar a interrupção da gravidez, tais como os casos em que a vida da mãe corre perigo, quando foi vítima de estupro ou incesto, ou quando o feto tenha malformações incompatíveis com a vida.

A Igreja católica, que naquela época havia instalado em um escritório no Palácio Nacional o padre Manuel Ruiz, elemento de ligação com o Poder Executivo, voltou-se contra Medina. Enquanto isso, as convocatórias a protestos a favor da vida nos arredores do Congresso foram mais constantes e, desde então, as igrejas começaram a realizar listas de candidatos a cargos eletivos que consideram como de “mais valores” e outra dos que – em sua opinião – não podem ser votados.

Leonel Fernández surpreendeu com sua influência religiosa quando, durante a campanha política interna do agora opositor PLD, no meio de um discurso em agosto de 2019, proclamou: “Eu me considero ser amante de Deus e sou pelo enigma da vida e pelo mistério da morte e sabemos que além desta vida há uma vida eterna que se conquista agindo bem nesta vida”.

Fernández, que quando foi presidente chegou a vetar o Código Penal para que fossem incluídas exceções à punição do aborto, e expressou seu apoio a Danilo Medina quando foi sua vez, flexibilizava sua postura em outubro de 2019, quando declarou: “O que eu acho é que isso não deve impedir a aprovação do Código. Que o Código seja aprovado como está e a questão das causas seja uma questão do Tribunal Constitucional como foi na Espanha”.

Mais surpreendente foi o caso do parlamentar Pedro Catrain, ligado aos movimentos de esquerda e grupos da sociedade civil e que em 2014 apareceu em um grupo de personalidades que se comprometiam como padrinhos do coletivo de lésbicas, gays, transgêneros e bissexuais (LGBT) na caravana do orgulho gay de julho.

Sua postura deu uma guinada durante a campanha política na qual Catrain se apresentou como candidato a senador pela província costeira Samaná, ao norte do país, quando foi publicado um acordo que ele assinou. “Comprometo-me perante Deus e todas as igrejas evangélicas e católica que, a partir de 16 de agosto de 2020, quando for o próximo senador (...) a não levantar minhas mãos a favor de nenhum projeto que ameace a modificação de nossa Constituição promulgada em 26 de janeiro de 2010, contra a palavra de Deus, os valores e a família, para favorecer o grupo denominado LGBT, com relação ao casamento do mesmo sexo e a favor do aborto”, estabelecia.

Dentro do aparato governamental, o conservadorismo religioso encontra outros expoentes de grande incidência. Tal é o caso da vice-presidenta da República, Raquel Peña, que chegou à legenda do PRM a partir da estrutura empresarial e religiosa que sustenta a Pontifícia Universidade Católica Mãe e Mestra (PUCMM).

Fundada pela igreja católica em 1962, a PUCMM tem em seu Conselho Diretor quatro religiosos e 17 empresários. Raquel Peña foi vice-reitora de Administração e Finanças da universidade, antes de sua nomeação no início de 2020 como colega de chapa de Abinader Corona. “Sem uma consulta prévia com os especialistas de todas as esferas sociais é impossível que possa estar de acordo com o aborto nas três causas”, disse enquanto enfatizava sua autodefinição como pró-vida, durante uma entrevista na qual foi questionada sobre se apoiaria as três causas.

Durante o processo de campanha, o agora presidente da República Luis Abinader, declarou: “Nosso partido tem uma posição com relação às causas, que nós entendemos que devemos apoiar essas justificativas. Em termos gerais, somos um partido tolerante, com todos tendo suas inclinações (em relação à comunidade LGBT)”.

Porém, no mesmo dia 16 de agosto, enquanto assumia no Congresso como deputado pelo PRM e presidente da Câmara de Deputados, Alfredo Pacheco anunciou que submeteriam o Código Penal à discussão sem o tema do aborto. “Apresentaremos as causas como uma nova lei e não houve consenso como é normal, mas nós nos propomos, nos próximos cem dias, dotar o país desta legislação”, afirmou.

Mão dura

A política de mão dura ou lei e ordem para enfrentar o crime também está ligada às tendências da direita dominicana, herdeira de uma prática da ditadura de Trujillo. Frases como “tránquenlo y después preguntan” (prendam e depois perguntem) ou “darle pa’ bajo” (dar nele para matar), com as quais se conhece, nas forças militares e policiais, a prática de deter as pessoas sem cumprir as disposições mínimas de direitos humanos, ou, o que é pior, as execuções extrajudiciais, colocam a República Dominicana na lista de países onde se violam os direitos humanos.

“As questões dos direitos humanos incluíram relatórios sobre assassinatos arbitrários ou ilegais por parte das forças de segurança do governo; atos de tortura cometido por policiais e outros agentes do governo; prisões arbitrárias; condições carcerárias duras e cruéis que ameaçam a própria vida (...)”, resumiu a CIDH em seu relatório de 2018 sobre os direitos humanos na República Dominicana.

Apesar de ser uma prática questionada, setores conservadores a têm promovido em seus discursos. Em 2008, o então cardeal dominicano Nicolás de Jesús López Rodríguez sugeriu à Polícia Nacional agir “sem contemplações piedosas” em momentos em que essa instituição era questionada pela morte de vários civis nas mãos de agentes policiais. Indicava também que os direitos das pessoas que são vítimas dos delinquentes, “não estão abaixo dos direitos dos perpetradores”.

Em seu relatório de 2018, a CIDH aponta que o governo dominicano deu certos passos para castigar os oficiais que cometeram abusos contra os direitos humanos denunciados, mas que houve extensos relatórios sobre “a impunidade oficial e a corrupção, especialmente naqueles casos em que estavam envolvidos funcionários de alto escalão”.

Política tributária

Para sua sustentação, cita um relatório da Direção Geral de Impostos Internos (DGII) sobre o Sistema Tributário Dominicano, atualizado em 2018. Nesse relatório, afirma-se que as arrecadações de impostos diretos à riqueza e ao patrimônio na América Latina representam 39,3%, enquanto nos países mais desenvolvidos (países da OCDE) é de 48,8%. Por outro lado, na República Dominicana, em impostos diretos (à riqueza e ao patrimônio) essa porcentagem é de apenas 33,6%. Então, a República Dominicana é campeã em cobrar menos impostos dos ricos”.

Os ricos também estão protegidos de pagar seus impostos. Um artigo publicado em setembro de 2020 pelo jornal Diario Libre, sob a assinatura do jornalista Edwin Ruiz, intitulado “Os consumidores: a galinha dos ovos de ouro do fisco dominicano”, argumenta que na República Dominicana os pobres pagam mais impostos do que os ricos.

Em relação às arrecadações de impostos indiretos, que taxam o consumo, menciona que na América Latina a porcentagem de arrecadação é de 60,7%, e nos países da OCDE é de 51,2%; já na República Dominicana a proporção é de 66,4%. “Então, a República Dominicana é campeã em taxar mais os consumidores e, consequentemente, as famílias”, diz Ruiz.

Em janeiro de 2012, foi aprovada a Lei 1-12 que estabelece a Estratégia Nacional de Desenvolvimento. Tal legislação dispõe em seu artigo 36 a necessidade de que as forças políticas, econômicas e sociais alcancem um pacto fiscal. Esse pacto deve visar reduzir a evasão fiscal, ii) elevar a qualidade, eficiência e transparência do gasto público, iii) elevar a eficiência, transparência e equidade da estrutura tributária 

(…)”.

Até o momento não se chegou a um consenso para a assinatura, embora o novo governo tenha declarado a questão como prioritária.

Uma direita influente

“A direita dominicana pós-trujillista teve muita influência na política nacional, mas não como atores políticos formalmente organizados em partidos, e sim principalmente como grupos de interesse com bastante peso na tomada de decisões do Estado”, afirma o sociólogo Wilfredo Lozano. Isso se deu através de organizações corporativas formais, como o Conep e a Igreja católica na sua alta hierarquia, ou grupos informais de pressão, como o chamado “Grupo de Santiago (empresários de grande poder econômico)”.

Com exceção do caso da União Cívica Nacional no passado, em geral a direita nunca teve uma expressão política organizada própria com impacto de massas. “O caso de Balaguer como líder da direita é diferente, pois foi um líder bonapartista que, como conservador, sempre fez pactos com a direita, mas manteve sua visão reformista da ordem social e da função do Estado”, diz Lozano.

Para Lozano, que fez parte do governo de Abinader Corona, a direita dominicana teve e mantém uma importância determinante na vida política do país. “Tanto é assim que se pode dizer que hoje em dia o espectro político nacional em seu conjunto está altamente influenciado pelas direitas.

Ele argumenta que os partidos, ao terem que coexistir com a pressão das massas e com as crescentes demandas de participação social, “tiveram que realizar um duplo movimento: assumir um aspecto populista, o que introduziu um tipo de condicionamento social nas forças de direita e, por outro, negociar permanentemente com os grupos de pressão conservadores, o que os obrigou a fazer do

Estado um instrumento que produz, sobretudo, políticas estabilizadoras que tendem, na maioria dos casos, a frear as reformas sociais”.

KIT DA DIREITA NA REPÚBLICA DOMINICANA

A direita dominicana se configura em torno da incidência de grupos de poder sobre a visão de nação para o benefício de seus interesses e negócios.

A direita centraliza seu discurso no ultranacionalismo, com oposição relutante à migração haitiana e aos direitos das mulheres (principalmente no que se refere ao aborto) e à comunidade LGBTQI.

A aliança estratégica entre setores de poder econômico e os meios de comunicação constituem uma força relevante.

Há direitas, e na sua ala mais extrema, há agrupações políticas minoritárias que nunca conseguem articular um projeto eleitoral competitivo, mas sim transformá-lo em negócio.

O medo surge como uma de suas principais estratégias para posicionar seu discurso anti-haitiano e de contenção das correntes irruptivas no relacionamento do Estado com os cidadãos.

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