Paty Godoy
Jornalista e documentarista mexicana. Especialista em narrativas transmídia e interativas.
"POR ACASO NÃO EXISTE DIREITA NO MÉXICO?"
Já faz alguns anos, no dia 1º de abril de 1983, o antropólogo Roger Bartra, pensador e referência crítica da esquerda mexicana, fazia essa pergunta, não sem certa ironia, em um artigo da revista Nexos intitulado Viagem ao fundo da direita. Bartra convidava seus leitores a abandonarem “o reino das aparências”: garantiu que a direita mexicana não só existia, como estava “bem instalada” em um sistema político “terrivelmente injusto” como o mexicano, no qual a direita está simultaneamente no poder e na oposição, no governo e na sociedade. Segundo Bartra, a direita no México, desde então, está em toda parte, onipresente.
A Revolução Francesa instaurou essa ordem simbólica que conhecemos como esquerda-direita a partir de um evento fortuito: a localização dos delegados na Assembleia Constituinte do verão de 1789. E, como quase sempre no México, onde as coisas acontecem aparentemente de outra maneira, esse eixo se rompeu. Em um país tão paradoxal como este – que pôde ser revolucionário, mas institucional, oficialmente laico, mas profundamente católico – a direita e seus postulados estão em todo o espectro político apesar de a herança simbólica da Revolução Mexicana (1910) – associada a valores progressistas e laicos – ter feito com que seus políticos sentissem, como escreveu Bartra, “uma grande repugnância ao se verem rotulados de direita”.
México, esse lugar chamado passado
No vasto mar de contradições chamado México, as coisas que aconteceram no passado, esse lugar em que a gente fazia as coisas de outra maneira, são quase mais importantes do que as que acontecem hoje. Assim, o triunfo revolucionário dos “liberais” há 110 anos transformou o espaço da direita em algo difuso, quase clandestino. Durante grande parte do século XX, dizer-se “de direita” no México era um risco: “Havia uma perseguição, não apenas política mas também legal e, em alguns casos, bélica, contra aqueles que tentassem intervir nos desígnios da nação a partir do pensamento de direita”, conforme explica Luis Ángel Hurtado Razo, professor da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da UNAM.
Durante parte do século XX, qualquer ideia que contradissesse o discurso da construção de um Estado nacional a partir dos ideais progressistas de uma suposta esquerda revolucionária era passível de ser considerada inimiga da pátria. Esse foi o entendimento do presidente Plutarco Elías Calles, um político anticlerical, que limitou o culto católico e pôs um fim aos privilégios da Igreja. Isso provocou fortes tensões que culminaram na chamada Guerra Cristera (1926-1929), um enfrentamento entre o governo de Calles e os cristerosum tipo de “soldados da fé”, que se rebelaram contra o fim da liberdade de culto. A Guerra Cristera acabou com mais de um quarto de milhão de mortes e um acordo de paz no qual o governo autorizava as reuniões religiosas católicas, mas de maneira “clandestina”.
Em resposta, os grupos católicos se articularam politicamente na União Nacional Sinarquista, uma organização herdeira dos valores cristeros e que gozava de ampla base campesina, mas cuja liderança estava nas mãos de homens com um certo nível intelectual e socioeconômico. “A ideia dessas direitas era buscar alternativas programáticas perante um Estado que as tinha excluído do Projeto Nacional”, explica Tania Hernández Vicencio, professora-pesquisadora da direção de estudos históricos do Instituto Nacional de Antropologia e História (INAH).
Quase um século se passou desde então, mas a carga simbólica daquele conflito e suas consequências ainda parece pesar sobre a política mexicana. “Em nosso país ainda há muitos políticos que se ofendem se você disser que são de direita”, surpreende-se o professor Hurtado Razo. E isso –diz– guarda relação com a perseguição que ocorreu ao longo de muitos anos e que desembocou nesta conotação negativa que, até hoje, o conceito de direita tem no México.
Uma direita transversal
Embora os mexicanos costumem pensar em si mesmos como muito diferentes do resto do planeta, ser de direita no México é, com suas particularidades históricas, mais ou menos igual a ser de direita em outras sociedades. Ser de direita aqui e ali poderia ser estruturado
a partir de valores conservadores relacionados a ideias como a autoridade, a identidade nacional, a ordem, a segurança, a tradição e a religião que são, todas elas, assumidas como “profundamente mexicanas”
por camadas muito amplas desta sociedade em todos os âmbitos e discursos políticos. O jornalista Álvaro Delgado, autor de diversos livros sobre a ultradireita no México e seus grupos secretos, explica de forma clara: “A direita no México é transversal aos partidos políticos e inclusive um setor importante dela está no Movimento Revolucionário Nacional (Morena), o partido do presidente Andrés Manuel López Obrador".
A pesquisadora Hernández Vicencio difere em certa medida dessa reflexão, já que na sua opinião, mais do que falar em uma direita mexicana transversal a partidos e corpos sociais, o mais adequado seria referir-se a um conservadorismo mexicano que atravessa tudo e todos: partidos políticos, governos e instituições públicas e privadas. . O conservadorismo no México – conforme explica Hernández – “não é só uma filosofia política, mas sim uma atitude perante a agenda pública”.
Para a analista Elisa Gómez, mestre em estudos latino-americanos e coordenadora de Diálogo Político da Fundação Friedrich Ebert no México, o conservadorismo é um conceito muito mais útil para entender o funcionamento desta sociedade, pois, a seu ver, o México tem “uma esquerda muito conservadora” e o melhor exemplo é que Morena, o partido do governo, de esquerda em teoria, mantém uma “estranha aliança” com forças evangélicas de direita agrupadas no Partido Encontro Solidário (PES). O México – destaca Gómez – é, em geral, “uma sociedade muito conservadora” e esse conservadorismo se forjou ao longo da história política de seus últimos 90 anos, nos quais “a direita tem estado acomodada”, acrescenta esta analista.
Um monstro revolucionário, institucional e de direita?
A afirmação de Gómez apresenta o fato de que esse monstro político mutante que dominou a sociedade mexicana durante décadas, o Partido Revolucionário Institucional (PRI), foi uma estrutura capaz de deglutir e metabolizar uma ideologia pragmática e conservadora disfarçada de uma retórica de esquerda populista e nacionalista. Com isso, conseguiu dominar as entranhas políticas, sociais, econômicas, culturais e intelectuais do México e se perpetuou no poder até criar um sistema hegemônico de partido único que, até um escritor liberal conservador como Mario Vargas Llosa classificou, em 1990, como “a ditadura perfeita”.
Em um artigo do jornal El País, em 2012, o antropólogo Roger Bartra, explicava esse fenômeno de uma forma nítida: “O PRI é uma expressão da direita há muito anos. Não é de se estranhar que no México muita gente associe a ideia de revolução a atitudes conservadoras (...) A revolução, no México, se converteu em um mito reacionário que convida a olhar para trás, para um passado imaginário e fundacional que nada mais é do que o símbolo de uma pesada herança autoritária” que o PRI sempre soube aproveitar para sustentar um sistema político hegemônico profundamente conservador.
Para que toda essa engrenagem retórica e política pudesse funcionar durante tanto tempo, foi necessário um antagonista “de direita”. Assim, em 1939, nasceu o Partido Ação Nacional (PAN), que viveu desde o seu início em uma minoria institucional quase perpétua, mas no final do século XX os mitos priistas se enfraqueceram – fundamentalmente pelo esgotamento social diante da profunda corrupção sistêmica – e a sociedade mexicana abriu um processo de transição ao eleger Vicente Fox como o primeiro presidente da direita democrática. Era o final de uma longa travessia pelo deserto para esse partido que, durante muito tempo se viu obrigado a se perguntar qual era o seu papel no precário sistema político mexicano: oposição democrática ou elemento legitimador do regime hegemônico priista?
PAN, o indivíduo ao poder
O nascimento político do PAN aconteceu em pleno auge do Cardenismo, uma corrente ideológica definida pelo presidente Lázaro Cárdenas, que governou o México de 1934 a 1940, e cujo principal marco socioeconômico foi a nacionalização da indústria petroleira e a criação de um monopólio estatal chamado Petróleos Mexicanos (PEMEX). Nessa conjuntura histórica foi fundado o primeiro partido de oposição no início da Revolução Mexicana porque, como comenta Ernesto Núñez, jornalista e analista especializado no estudo da direita mexicana, “as pessoas de direita se deram conta de que nem o movimento cristero nem o Sinarquismo conformavam uma via de acesso ao poder, já que ambos eram movimentos quase clandestinos e ilegais”.
Assim nasceu o Partido de Ação Nacional (PAN), com uma ideologia humanista que incorpora à linguagem política mexicana daquela época conceitos como indivíduo, iniciativa privada e humanismo político. Seu fundador Manuel Gómez Morín, um político católico liberal, sempre teve claro que a tarefa primordial como partido de oposição era iniciar a construção de uma cidadania. “Não fomos formados como cidadãos”, queixava-se o político, e essa carência era, em sua opinião, a base do problema sociopolítico mexicano. Para o fundador do PAN “era indispensável reconhecer a realidade e começar o trabalho pela raiz: a formação de uma consciência cívica, de uma organização cívica (...) para fazer aparecer o personagem substancial que não é o governante, mas sim o cidadão”.
Com essa ideia, o PAN – conforme comenta Álvaro Delgado – reúne um setor da classe média e uma parte da oligarquia e as unifica em uma força política que tenta se opor a seus adversários comuns: os partidários da Revolução e do Cardenismo. Assim, a direita mexicana inicia a chamada “luta da eternidade”, como definiu Gómez Morín ao longo do caminho que o PAN deveria empreender até conquistar, pouco a pouco, espaços de representação, poder e governo. “Um caminho – comenta o jornalista Ernesto Núñez – sempre pela via do voto e entendendo que o dever cidadão da participação política era uma tarefa permanente”.
Como era natural, as visões do Partido Ação Nacional e do Partido da Revolução Mexicana, PRM (depois PRI) com relação ao papel do indivíduo-cidadão na construção da República se chocaram. Enquanto o novo partido conservador
aposta claramente no indivíduo, o partido hegemônico aposta na organização popular das massas agrupadas em três setores principais: o trabalhador, o campesino e o popular.
O PAN nasce como um partido laico. Sua ideologia matriz é “um social-critianismo à mexicana”, como descreve a historiadora Soledad Loaeza em seu livro El Partido Acción Nacional, la larga marcha. Seu pensamento – explica a escritora – nasce em círculos católicos da época como alternativa intermediária entre o socialismo e o capitalismo e que adota “tons muito particulares como o assunto da liberdade educativa ante o projeto educativo da Revolução; a liberdade de filiação e a primazia da pessoa diante do corporativismo sindical e da configuração de sujeitos coletivos, o respeito ao voto e à legalidade em uma democracia de fachada e uma defesa das liberdades econômicas, bem como a rejeição a um Estado proprietário, um Estado expansivo". El Partido Acción Nacional, la larga marcha. Su pensamiento –explica la escritora– nace en círculos católicos de la época como alternativa intermedia entre el socialismo y el capitalismo y que adopta “acentos muy particulares como el asunto de la libertad educativa frente al proyecto educativo de la Revolución; la libertad de afiliación y la primacía de la persona frente al corporativismo sindical y la configuración de sujetos colectivos, el respeto al voto y a la legalidad en una democracia de fachada y una defensa de las libertades económicas, así como el rechazo a un Estado propietario, un Estado expansivo”.
Um modelo econômico não tão antagônico
Em sua luta política e eleitoral contra o regime priista, o PAN teve que enfrentar um longo e dificultoso caminho, já que – como detalha o jornalista Ernesto Núñez – “conquistou suas primeiras deputações em 1946; sua primeira prefeitura (Quiroga, Michoacán) em 1947; seu primeiro governo (Baja California) em 1989”. A crise econômica de 1982 fez com que o PRI perdesse o apoio de uma parte importante das classes médias e o avanço do PAN começou a ser muito notório e despontou como uma verdadeira opção de poder no país, até que no ano 2000 a vitória panista acabou com 70 anos de “ditadura perfeita” priista.
Embora seja verdade que até o início do século XXI o PAN não tinha conseguido governar o México, “tinha conseguido incorporar sua agenda econômica no poder”, explica Ernesto Núñez. Foi no período do presidente priista Carlos Salinas de Gortari (1988-1994) que se unificaram os interesses econômicos das oligarquias tanto do PRI quanto do PAN, “nesse projeto econômico que hoje conhecemos no México como neoliberalismo", sintetiza Núñez.
A representação da direita na política partidária mexicana sempre esteve nas mãos do PAN, mas isso não significa – como explica o jornalista Álvaro Delgado – que os interesses da direita não tenham se encontrado também em outros espaços e partidos. Para Delgado, entre 1988 e 2018, o PRI e o PAN mantiveram um tipo de co-governo de fato, etapa conhecida como PRIAN. Três décadas nas quais ambos os partidos abriram mão de suas diferenças e “defenderam exatamente os mesmos interesses e aprovaram juntos as principais reformas do país de corte neoliberal”.
Mas, qual é o catálogo ideológico oferecido pela direita panista mexicana? Pois bem, o da segurança, mas não só a segurança pública, tão necessária em um país violento como o México, mas também “a segurança em investimentos, na proteção das famílias convencionais, nos negócios, na educação” como explica Álvaro Delgado. O professor Hurtado Razo resume bem: o que o PAN oferece é “um México de valores, tradições e estabilidade, família, religião e moralidade, tudo o que tem a ver com o conservadorismo”.
Direita, uma palavra que se escreve no plural
Parece óbvio, mas às vezes é preciso lembrar: nem no México, nem em nenhum outro lugar do mundo, o que a palavra “direita” representa politicamente supõe a existência de um bloco ideológico monolítico. Nesse sentido, a pesquisadora Hernández Vicencio sugere a necessidade de falar de “direitas” no plural. “Embora – explica – as direitas sejam um conjunto de atores – tanto coletivos quanto individuais – que compartilham uma matriz de valores e uma cosmovisão, também existe uma pluralidade de estratégias e de programas e por isso é mais importante falar tanto de direitas quanto de esquerdas no plural”.
Mas, para além do PAN, onde estão essas outras direitas plurais no México? O PAN tem sido o receptor natural das direitas históricas – conforme analisa Tania Hernández –, mas temos
grupos empresariais muito fortalecidos nos últimos anos e ligados aos grupos transnacionais – relacionados com grandes setores estratégicos como as telecomunicações, a mineração, os bancos ou a energia – que estão relacionados com um projeto político de direitas liberais do século XXI.
Por outro lado, há o ativismo de direita próprio da hierarquia católica e também (muito menos conhecido) o relacionado aos interesses e estratégias de poder dos novos grupos religiosos protestantes, tradicionalmente de direita, mas que, no caso do México, na eleição presidencial de 2018 se vincularam com o MORENA e com a eleição do presidente Andrés Manuel López Obrador.
O professor e analista Luis Ángel Hurtado Razo soma a essas outras manifestações da direita as que estão configuradas a partir da sociedade civil organizada. Segundo Hurtado Razo, são “todos esses movimentos que nos últimos tempos tiveram uma forte presença na mídia, principalmente contra a gestão do presidente López Obrador”. Refere-se, por exemplo, à Frente Nacional Anti-AMLO (FRENA) que, na opinião do jornalista Álvaro Delgado, é apenas “um coquetel de rancores que se dissiparão quando López Obrador não estiver no poder; a única coisa que os une é o ódio a um indivíduo e a seu projeto”. Nessa mesma vertente e, conforme acrescenta Tania Hernández, existem também os grupos da sociedade civil ligados às agendas conservadoras contra os direitos sexuais e reprodutivos, como o PROVIDA ou a Frente Nacional pela Família, ou os pais organizados com relação à educação na conservadora União Nacional de Pais de Família.
Outras formas variadas do menu das direitas mexicanas são as das organizações “secretas” que representaram durante décadas uma expressão do que poderia ser considerado como extrema direita. Nos anos 30 – conta o jornalista Álvaro Delgado que pesquisou sobre esse tipo de organizações – nasceram os Tecos, com a ideia de “defender os interesses oligárquicos no estado de Jalisco”, e até fundaram sua própria universidade, a Autônoma de Guadalajara (UAG). Anos depois, já na década de 50, no estado de Puebla, surge a organização ultraconservadora El Yunque, com a ideia de “defender a religião católica” e instaurar “o reino de Cristo na terra”. Ambas as organizações clandestinas são regidas por uma doutrina fortemente apegada ao pensamento mais conservador da igreja católica mexicana e continuam vivas, mas ao contrário, por exemplo, do que aconteceu na Europa, onde as estruturas de extrema direita ganharam força e poder de representação na França, Itália, Alemanha ou Espanha, no México esse tipo de organizações de extrema direita tem muito pouca relevância política.
As causas das direitas no México
O catálogo de propostas das direitas mexicanas não é muito diferente daquele das direitas na América Latina. Na opinião do jornalista especializado Ernesto Núñez, suas grandes questões são: antilegalização do aborto e do consumo de drogas; discursos antifeministas e contra as leis e direitos da diversidade sexual e, claro, um forte discurso anticomunista com a Venezuela bolivariana como esse grande Satanás ao qual todo discurso de direita latino-americano deve apelar.
A pesquisadora Tania Hernández considera que as velhas demandas das direitas de toda a vida continuam vigentes, com o acréscimo recente da reação antifeminista contra todas as agendas de gênero. Para esta pesquisadora, o que está acontecendo na América Latina é “uma politização reativa do campo religioso que tem relação com a agenda pelos direitos sexuais e reprodutivos” que se aplica no México e em todos os países do nosso entorno.
Álvaro Delgado acredita que as direitas no México defendem hoje o status quo e os privilégios das elites empresariais e econômicas, por exemplo, em termos fiscais e de acesso privado a serviços como a saúde e a educação.
"No âmbito religioso – acrescenta Delgado – as direitas mexicanas defendem a tradicional agenda conservadora da igreja católica na defesa da família convencional com sua oposição direta ao aborto e aos casamentos entre pessoas do mesmo sexo”.
No que se refere ao flagelo da violência das drogas no México, as direitas se mostram, aí sim, monolíticas. Apesar dos terríveis fracassos com dezenas de milhares de mortos durante o mandato de seis anos do presidente conservador do PAN Felipe Calderón (2006-2012), as diretas mexicanas continuam assumindo que a estratégia da mão dura militar é a correta contra uma violência que não para de aumentar nos últimos anos.
López Obrador é um presidente de direita?
Para Luis Ángel Hurtado Razo, o presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO), que cresceu política e intelectualmente na doutrina priista, não pode ser considerado “de direita” apenas por estar muito perto da religião. Para este professor da UNAM, López Obrador faz parte de uma “esquerda moderada” que chega ao poder com um discurso “partidário da igualdade” e – considera – que dentro da igualdade “está o respeito ao direito da liberdade de crença”.
AMLO estaria situado, segundo Hurtado Razo, nessa esquerda latino-americana que considera que a “via para a transformação e a igualdade não é o uso desproporcional do Estado contra a liberdade de culto, mas sim o respeito para decidir sobre sua fé”.
Para Delgado, a proximidade que López Obrador mantém com os grupos religiosos “tem muito pragmatismo”. “Ele entende – opina o jornalista – que o México é um país predominantemente religioso e que você não pode governá-lo se lutar contra as crenças das pessoas”.
Além das crenças religiosas do atual presidente, diversos intelectuais mexicanos têm se perguntado criticamente nestes últimos tempos se muitas de suas ações não poderiam ser consideradas de direita por seu acentuado caudilhismo, sua tendência ao pensamento autoritário, antifeminista, vertical e dogmático; sua grande proximidade com os militares e grupos religiosos; seus ataques a toda a imprensa que critica ou que não segue seus ditames; ou sua forte tendência a não reconhecer erros e a lançar todos os dias seus slogans populistas e nacionalistas matutinos que tentam marcar a agenda da atualidade mexicana, mas que às vezes soam como retórica obsoleta do século passado.
A fratura mexicana
Além do debate sobre as direitas, parece claro que a cada dia no México fica mais acentuado o que o antropólogo e pensador Roger Bartra chamou de “a fratura mexicana”. Trata-se, conforme explica, que as contradições internas e as incoerências em cada um dos campos contrapostos acabam sendo a causa principal da crise política que o país sofre. Segundo Bartra, “o problema está no trágico fato de que as tradições conservadoras têm um peso excessivo tanto na direita quanto na esquerda. Cada um a seu modo, os dois polos políticos estão impregnados de um forte conservadorismo:
na direita, trata-se da reação católica tradicional e, na esquerda, de um populismo nacionalista arcaico”.
Seguindo a ideia de Bartra, seria possível pensar que a questão não é nem onde se situa hoje a direita no México (é transversal e está em todas as partes), nem como se comporta ou qual é sua agenda (mais ou menos a mesma que em outros lugares da América Latina). O que deveríamos nos perguntar e analisar no caso deste país de paradoxos é “por que para tantos mexicanos continua sendo tão difícil sair desse armário político e se dizer “de direita”? Por que “a direita” continua tendo, hoje como ontem, tão má reputação no México, um país no qual grande parte de sua população é ou age de forma conservadora? closet político y decirse de “derechas”? ¿Por qué “la derecha” sigue teniendo, hoy como ayer, tan mala prensa en México, un país en el que gran parte de su población es o actúa de forma conservadora?